Abel Chivukuvuku contestou hoje a decisão do Tribunal Constitucional (TC) que validou apenas quatro mil das 23.492 assinaturas recolhidas para legalização do seu projecto político PRA-JA Servir Angola, afirmando que a instância judicial “faz política e não jurisprudência”. O que seria de esperar, afinal, de um órgão que continua a ser uma filial do MPLA?
“Infelizmente temos um Tribunal Constitucional que não faz jurisprudência, faz política e, eventualmente, recebe ordens”, afirmou hoje em conferência de imprensa, lamentando a situação. A diplomacia de Abel Chivukuvuku impede-o de medir muito as palavras. Não é correcto dizer que o TC “eventualmente recebe ordens”. Como os autóctones sabem, a palava “eventualmente” está a mais.
A comissão instaladora do Partido do Renascimento Angolano – Juntos por Angola (PRA-JA) – Servir Angola entregou, no passado dia 6 de Novembro, 23.492 assinaturas ao TC, nomeadamente declarações de aceitação, cópias de bilhete de identidade e atestados de residência dos seus militantes.
Pelo menos 7.500 assinaturas são exigidas legalmente pelo Tribunal Constitucional angolano para legalização de partidos políticos, pelo que, na última semana, o TC anunciou que apenas 3.997 entregues pelo PRA-JÁ – Servir Angola reuniam os requisitos legais.
Hoje, Xavier Jaime, coordenador da comissão instaladora da agremiação partidária classificou a situação como uma “perseguição impiedosa” contra Abel Chivukuvuku exigindo a devolução dos restantes processos considerados inválidos.
“O juiz presidente do Tribunal Constitucional encetou uma perseguição impiedosa a Abel Chivukuvuku na sua qualidade de político e a todos que o seguem. Por exemplo, a administração municipal de Cabinda invalidou os processos sem razões, porque estão aqui os números dos bilhetes dos cidadãos”, enfatizou.
Abel Chivukuvuku, que liderou a Convergência Ampla de Salvação de Angola – Coligação Eleitoral (CASA-CE), até Fevereiro deste ano, não descartou a possibilidade de fazer manifestações pelo país.
“Cidadãos de muitas províncias queriam fazer manifestações, mas optamos pela ponderação, pela moderação. Isso não quer dizer que não reconheçamos a indignação das pessoas. Também quero deixar claro que se um dia em sentir que é preciso fazer manifestação estarei à testa”, atirou, manifestando-se “agastado” com o caso.
MPLA não perdoa
Abel Chivukuvuku é mesmo um alvo abater, não sendo (ainda) certo se a ideia do MPLA é só derrubá-lo ou, eventualmente, matá-lo… politicamente. Recorde-se que a mesma sucursal do partido no poder há 44 anos, o Tribunal Constitucional, interditou em Agosto de 2018 o então líder da CASA-CE, Abel Chivukuvuku, de formar um novo partido político no país, dando provimento a um pedido de esclarecimento de cinco das seis forças da coligação.
Segundo o acórdão, as decisões de Abel Chivukuvuku, enquanto presidente da CASA-CE, não podiam sobrepor-se aos partidos coligados, como criar formações dentro da coligação, esvaziando também o papel dos chamados “independentes” que integravam a coligação, concluindo que não podiam fazer parte do Conselho Presidencial.
Em causa estava na altura a pretensão de Abel Chivukuvuku em criar dois partidos políticos — Podemos-Juntos por Angola (PODEMOS-JA) e Desenvolvimento Inclusivo de Angola (DIA) –, cujos processos remeteu ao TC, que considerou a pretensão “ilegal”.
O Tribunal Constitucional deu, assim, provimento parcial a um pedido de esclarecimento feito em Maio de 2018 por cinco dos seis partidos integrantes da CASA-CE a propósito de um conflito que os opunha ao seu presidente, Abel Chivukuvuku.
O processo emergiu da interpretação dos poderes dos partidos em relação à organização e funcionamento da coligação e o papel e as competências do seu presidente.
No acórdão, o TC esclareceu que o presidente da CASA-CE não é líder dos partidos coligados, mas sim apenas um “simples” coordenador da plataforma, segundo os métodos adoptados pelos partidos políticos.
“Sendo a CASA-CE uma coligação para fins eleitorais e actividades políticas conexas, não pode esta estrutura ser uma individualidade distinta dos partidos que a integram, pelo que deve haver uma adequação dos Estatutos ao Acordo Constitutivo da Coligação e à Lei dos Partidos Políticos”, referia o acórdão.
“Os cidadãos ditos independentes não podem criar partidos dentro da CASA-CE, por esse acto ser ilegal”, frisou o Tribunal Constitucional.
Em relação às questões financeiras, o Tribunal Constitucional deliberou que elas são de competência da coligação e que, caso haja litígios quanto a um eventual uso indevido dos dinheiros públicos, o Tribunal de Contas poderá entrar em cena.
Uma paródia (in)constitucional
O Tribunal Constitucional, mantendo-se fiel ao seu ADN partidocrata, ideológica e umbilicalmente, ligado ao MPLA, mostrava então (como se ainda restassem dúvidas) a sua capacidade para parir um acórdão rocambolesco.
A destruição, a fragilização, a divisão, a nomeação de direcções frágeis e fantoches, de partidos políticos, sem capacidade de fazerem mossa ao partido no poder, tem sido a regra judicial dominante, quando deveria ser a excepção.
O tempo não mente e vem comprometendo os tribunais, quer sejam inferiores ou superiores, pela falta de isenção, independência e comportamento jurídico ético, quando em causa está quem tenha potencial político e projecto de poder.
Em todo caso, Abel Epalanga Chivukuvuku cavou, com a sua ingenuidade, a sepultura de um projecto (CASA-CE), que tinha tudo para dar certo, ao cometer erros de palmatória:
a) Aliança com líderes políticos de pequenos partidos, com ambição medíocre, muitos, distantes da conquista do poder, mas próximos das mordomias financeiras, untadas pelo regime;
b) Adiamento da transformação em partido, que, segundo os acordos, deveria ocorrer em 2012;
c) Não criação em 2013 da sua própria formação partidária, quando foi um dos maiores credores da Coligação;
d) Má gestão dos quadros, originando a saída de muitos;
e) Condescendência e promoção, em muitos casos, da incompetência, intriga, mediocridade e bajulação;
f) Acreditar na imparcialidade da justiça;
g) Prescindir do trabalho, rigor e organização, para o alcance da vitória, acreditando serem a beleza pessoal e a vaidade ferramentas bastantes.
Por seu turno, os antigos aliados, convertidos em novos adversários, não conseguiram disfarçar por muito tempo o lobo, que se escondia na pele de cordeiro, cinco anos depois de resgatados do poço lamacento em que se encontravam. Emergidos, vendo o potencial de Abel Chivukuvuku, acompanhado por dinheiro e base eleitoral (cidadãos que o seguiam), negociaram, e bem, com a única tábua de salvação: certificado de registo de partidos políticos, junto do Tribunal Constitucional.
Foram às primeiras eleições (2012), sem militantes, património móvel e imóvel, contando com as armas de Abel Chivukuvuku, que em quatro meses de campanha, levou a CASA-CE, em tão pouco tempo de existência a conquistar 8 lugares na Assembleia Nacional.
Foi a surpresa, para muitos e o temor para o regime, que apostou todas as armas, para impedir o crescimento desse novo ente-partidário. Tal como agora faz em relação ao PRA-JA.
Uma das tácticas do regime foi explorar as fraquezas, quer de Chivukuvuku como dos seus aliados. A um foram-no convencendo ser opção, tanto do regime como para a oposição, por ser bem parecido e não ter um discurso musculado, aos outros que ganhariam mais debilitando o projecto de coligação, contando, em todos os casos, com a preciosa colaboração dos tribunais.
A fidelidade ao jogo dos punhais, em costas desguarnecidas, amortecidas e regadas, muitas vezes, com champanhe, foi agigantando e dando visibilidade a quem nunca teve, mas passou a gostar da vida boémia, conferida não só pela aliança com Chivukuvuku, mas também, segundo fonte independente, com os serviços secretos do regime.
Os visados desmentem
Mas a realidade permite rememorar como o regime político, vem, ao longo de 44 anos, arredando, assassinando ou fragilizando potenciais partidos e líderes da oposição, contando com a prestimosa e ideológica contribuição jurídica dos Tribunais; Popular Revolucionário, Supremo e Constitucional, que sem respeito pela norma jurídica e as leis, destituem e nomeiam direcções ou líderes fantoches, no cumprimento das inquisitoriais ordens superiores.
Os bárbaros assassinatos do nacionalista Sotto Mayor (MPLA), no Campo da Revolução (1975), dos comandantes Nito Alves, José Van-Dúnem e outros, em 1977 (MPLA), Adão da Silva (UNITA), em 1995, Mfulumpinga Landu Victor, (PDP-ANA), em 2004, Alves Kamulingue e Isaías Cassule, activistas pela democracia plena, 2012, Hilberto Ganga, em 2013 (CASA-CE), têm, todos, o mesmo selo de autenticidade.
Na maioria dos casos, os assassinos identificados, trafegam, impunemente, com o maior à-vontade, pelas ruas das cidades, gozando com a cara dos familiares das vítimas ou os processos repousam fechados, nas gavetas dos juízes, numa gritante, escandalosa e cúmplice omissão.
No domínio da vida interna dos partidos da oposição o caminho não tem sido distinto, qual subtileza de subterrânea incidência dos juízes transformados em “xerifes-justiceiros”, ao “assassinarem” a soberania eleitoral dos militantes dos partidos.
Não parece existir limites ao livre arbítrio judicial, quando a hegemonia do partido maioritário é posta em causa, com alguns juízes a converterem-se em senhores da inquisição, interferindo na vida interna dos partidos, substituindo as direcções eleitas, por lideranças frágeis, comerciais, mas politicamente fantoches, como foram os casos do PRD (Partido Reformador Democrático – 1992, integrava quadros e intelectuais independentes, como Joaquim Pinto de Andrade e ainda ex-presos do 27 de Maio), a justiça dividiu o partido e a liderança, fazendo Luís dos Passos sucumbir, alegadamente, com 10 milhões de dólares, no colo do regime, após destruir o projecto; AD – Coligação, integrada por intelectuais, como Filomeno Vieira Lopes, Bonavena, Luís do Nascimento, Cláudio Silva e membros da sociedade civil (1993), foram traídos, com apoio judicial, que instigou um dos membros da coligação, até à sua completa dissolução.
A UNITA foi e é o partido, mais atacado, pelo regime e judiciário, sem qualquer pudor, visando a sua capitulação, destruição ou divisão, desde os tempo de Jonas Savimbi, como o demonstram a legalização, em tempo recorde, das seguintes tendências: FDA, Fórum Democrático Angolano, liderado por Jorge Chicote, Assis Malaquias e Dinho Chingunji; TDR (Tendência de Reflexão Democrática), capitaneada por Tony da Costa Fernandes, Paulo Chipilica e Miguel N´Zau Puna, todos feitos marionetes do regime no poder; UNITA Renovada, liderada por Eugénio Manuvakola, Jorge Valentim e outros, mimoseados com mordomias, para o trabalho sujo.
Depois surge a FNLA, com uma forte campanha contra o seu ex-líder histórico, Holden Roberto, votado ao ostracismo, com o corte de direitos, cancelamento da conta bancária, colocando-o à fome, por falta de recursos, tudo para capitular. Resistindo, viu ser criado uma facção, legitimada pelo poder judiciário partidocrata, comandada por Lucas Ngonda, nomeado coveiro do histórico partido, hoje transformado em manta de retalhos.
O PRS e o PDP-ANA, também alvos de infiltração, são apenas um corpo presente, com prazo de validade, pese este último ter integrado a coligação de Chivukuvuku.
Tribunal Constitucional mata a CASA-CE
O acórdão do Tribunal Constitucional pronunciou-se além da acção, civilmente, falando, mais do que o pedido do autor, demonstrava ter tomado “sentença adesão”, flagrando o art.º 158.º do Código do Processo Civil.
O acórdão 497/2018, lançou e atiçou ainda mais a bagunçada no seio dos partidos e figuras independentes, integrantes da CASA-CE, uns como ente-jurídicos e outros como cidadãos, ancorados no art.º 52.º da CRA (Constituição da República de Angola), têm o direito “de participar na vida política e na direcção dos assuntos públicos, directamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos”.
Aqui chegados, a decisão do Acórdão de impedir os independentes de participarem no Conselho Presidencial, configurou uma inversão e discriminação a estes cidadãos, depois do próprio Tribunal Constitucional, ter, aprovado os Estatutos e o figurino da sua participação (independentes), no Conselho Presidencial e outros órgãos, no respeito pelo n.º 2 do art.º 55.º CRA, que textualiza: “Todo o cidadão tem o direito de participar em associações políticas e partidos políticos, nos termos da Constituição e da lei”.
Isso significa existência de direitos constitucionais dos independentes, de participação, sem necessidade de filiação expressa, porquanto:
1. “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário, proporcional e razoável numa sociedade livre e democrática, para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
2. “As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão nem o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais”, segundo o art.º 57.º CRA.
Ora, o Tribunal Constitucional não pode ser parte, mas andar em sentido contrário, como mediador, no encontro de uma solução imparcial, sem tentação, como foi o caso, de abraçar a bagunça partidária.
Neste contexto, sem lupa e sendo leigo, em direito, não é difícil, qualquer cidadão, perceber a partidocracia judicial, agigantada, nos últimos tempos (2017/2018), com a nomeação de juízes militantes, temperados no jogo da fraude eleitoral, logo, sensíveis à aplicação de normas inquisitoriais, para destruir o “inimigo”.
O regabofe emerge por o Tribunal Constitucional se posicionar, voluntária ou involuntariamente, como parte e mesmo tentado, esperava-se (pese a espinha dorsal), um disfarce, uma fimba, para não enlamear, ainda mais, a magistratura judicial, na análise de um litígio, cujo acervo documental legalizado, repousa, desde 2012, 2014, 2015, 2016, nos seus arquivos.
Para espanto geral, este órgão judicial, depois da massa militante, dos partidos coligados, em congresso ordinário (2016), realizado no espírito da Constituição (art.º 4.º), da Lei dos Partidos Políticos, ter aprovado os estatutos da CASA-CE, nele constando os vários órgãos, integrantes e funções, os validou (com emendas), sem qualquer oposição.
Quando lhe deu jeito veio dizer o contrário, como se fosse virgem inocente. Será que os venerandos juízes conselheiros, antes haviam decidido sob efeito etílico ou ungidos pelo demónio?
Qualquer que fosse a resposta, tudo incrimina e compromete o Constitucional, ao reconhecer então ter legitimado a participação, nas eleições gerais de Agosto de 2017, de um ente jurídico partidário, eivado de vícios insanados, para o pleito.
Mais, como seria tratado Abel Chivukuvuku se tivesse ganho as eleições gerais: Presidente da República – Coordenador? É, na realidade, uma designação marginal na Constituição, Lei dos Partidos Políticos e Estatutos da Coligação, conhecedoras apenas da instituição, presidente…
Noutra vertente, se quem pode o menos pode o mais, no tocante, hoje, a integração de novos partidos políticos, não só se está a violar preceito constitucional de livre associação política dos cidadãos, como a levantar suspeição, quando autorizou, em 2017, a entrada do PDP-ANA e Bloco Democrático. Porque será, uma vez em política, não haver coincidências?
Decidir, depois, em contrário, denuncia parcialidade, interpretação difusa e carnavalesca da Constituição, principalmente, da al.ª d) do n.º 2 do art.º 17.º, “liberdade de filiação e filiação única”, que exclui a discriminação.
Ademais um acórdão imparcial, revisita apenas a fonte da honestidade intelectual, afastando-se da partidarização da justiça, para embaçar um dos princípios sagrados da justiça: cego em relação ao destinatário e fidelidade, quanto às normas jurídicas.
Agir em sentido contrário é adoptar a lógica colonial de dividir, para melhor reinar, mas atirando, também, para a sarjeta a magistratura da processualidade do Direito Constitucional, que não prescinde da imparcial análise do mérito da acção.
Seria importante o Tribunal Constitucional não continuar a alimentar a suspeição que recai sobre si, vinda da oposição e sectores da sociedade civil, da sua espada apenas os ter como destinatários.
Definitivamente, uma vez mais, a política subverteu o papel da justiça, ao vergar a independência, imparcialidade e consciência dos juízes, cujo mérito foi, tal como fizeram antes com a UNITA, FNLA, PRS, instaurar a confusão, na CASA-CE, enfraquecer a oposição e a incipiente democracia em Angola.
A CASA-CE foi fundada em 2012 e é uma coligação de seis partidos políticos angolanos — Bloco Democrático (BD), Partido Pacífico Angolano (PPA), Partido Apoio para Democracia e Desenvolvimento de Angola – Aliança Patriótica (PADDA-AP), Partido Aliança Livre de Maioria Angolana (PALMA), Partido Nacional de Salvação de Angola (PNSA) e Partido Democrático Popular de Aliança Nacional de Angola (PDP-ANA).
Nas primeiras eleições gerais em que participou, em 2012, a CASA-CE elegeu oito dos 220 deputados à Assembleia Nacional, face aos 6% de votos obtidos (345.589), a mesma percentagem conquistada nas presidenciais, em que Abel Chivukuvuku ficou em terceiro lugar.
Nas últimas eleições gerais, realizadas em Agosto de 2017, a CASA-CE aumentou quase para o dobro a sua votação a nível nacional em termos nominais (639.789 votos — 9,45%), duplicando o número de deputados (16), com Abel Chivukuvuku, antigo destacado dirigente da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), a manter a terceira posição.